Gabriel Montezuma é nefrologista assistente do grupo de Agudos e Glomerulopatias da UNIFESP e é um dos fundadores do Nefropapers! O cara é bom demais!
O caso de hoje é o paciente que chegou ao PS com uma creatinina de 5… Vamos ver o que o Gabriel faria com esse caso – desde a investigação até o manejo. Confira os highlights!
- Sempre procurar uma creatinina prévia! É uma IRA, DRC ou DRC agudizada? E lembre-se que IRA é uma síndrome! Foco em procurar a(s) causa(s)!
História
-Procurar fontes de desidratação (vômitos, diarreia, uso de diuréticos)
-Procurar hipotensão
– Procurar sinais de sepse (a causa da IRA é infecção?)
-Procurar drogas nefrotóxicas (AINEs)
-Procurar sintomas urêmicos (náuseas, vômitos, rebaixamento, prurido)
-IRA tem mais de uma causa em mais da metade dos pacientes!
-No paciente que não melhora após retirar a agressão, pensar em causas alternativas! O rim que não melhora pode ser por insultos persistentes (sepse + pré renal, tratado com nefrotóxico, “resepse”), segunda causa não identificado ou por paciente com rim crônico previamente (DRC IV ou V).
Exame físico
– Avaliar bem a volemia! Nem todo paciente com IRA é pré-renal.
Efeitos adversos de medicamentos
-Comumente melhoram rapidamente após a suspensão, exceto se exposição prolongada cursando com NTA (necrose tubular aguda)
-Procurar AINEs, IECA/BRA, iSGLT2, diuréticos (mudança na dose)
-AINEs podem causar IRA após 1 ou 2 comprimidos em pacientes de maior risco
-AINEs fazem vasoconstrição da arteríola aferente (o vaso que está chegando ao glomérulo). Isso reduz o fluxo sanguíneo que chega no glomérulo, reduzindo a filtração glomerular. Pacientes mais sensíveis são aqueles com estenose de artéria renal (já têm menos fluxo) ou aqueles com menor reserva (idosos, DRC, etc).
-Nefrite intersticial aguda, a famosa NIA, pode ocorrer com medicamentos, mas é RARA! Ela é uma “reação alérgica no rim”.
Mecanismos de regulação da pressão glomerular
-Em situações de hipotensão ou hipertensão o glomérulo tem que se defender. Para manter a pressão glomerular estável a despeito das variações na pressão arterial sistêmica o rim conta com os ajustes mas arteríolas aferente e eferente. A aferente regula o fluxo que chega no rim. Vasoconstrição da aferente reduz o fluxo e a pressão intraglomerulares e a sua vasodilatação faz o efeito inverso. Por outro lado, a eferente é o caminho de saída do fluxo sanguíneo pelo glomérulo. Isso quer dizer que quando a eferente contrai, o sangue sai com maior dificuldade, aumentando a pressão intraglomerular e aumentando a filtração glomerular.
Imagine uma pia. A arteríola aferente é a torneira, a eferente é o ralo. Se eu quiser manter um nível estável de água na pia, posso “abrir ou fechar mais a torneira” ou “abrir ou fechar mais o ralo”.
Os AINEs agem justamente aí, reduzindo o fluxo da “torneira”, o que pode reduzir muito a filtração em pacientes limítrofes. Por ser uma alteração hemodinâmica, a função melhora rapidamente após suspensão. A exceção é alteração hemodinâmica por muito tempo, a ponto de gerar NTA.
Como investigar inicialmente
– História e exame físico
– Urina tipo 1
– Se não houver causa óbvia, imagem de rins e vias urinárias (ex: USG ou TC sem contraste)
– Outros exames:
– Mieloma múltiplo: Eletroforese e imunofixação de proteínas séricas e urinárias e pesquisa de cadeias leves
– Cálcio
– CPK se dor muscular / uso de estatinas
– Sinais de microangiopatia trombótica (anemia, plaquetopenia, sinais de hemólise)
Como interpretar a urina 1 na IRA
– Proteína: Se proteinúria significativa (2+ ou mais, em geral), fazer P/C ou proteinúria de 24h. Se proteinúria significativa confirmada, temos que pensar em glomerulopatias! Outras causas de proteinúria na urina 1 são desidratação (urina concentrada causa falso positivo), infecção urinária, hematúria.
* Dica: No paciente em IRA, o P/C pode estar falseado (muita creatinina no sangue e pouco na urina → A relação fica falsamente elevada porque a creatinina na urina é muito baixa)
** Pegadinha! A análise da “fitinha” (dispstick),só vê albumina! Em pacientes com mieloma múltiplo, pode haver dissociação entre a “fitinha” e a quantificação da proteinúria (pode vir dipstick negativo porque não tem albumina, e proteinúria positiva no exame específico)
– Hemácias: Primeiro passo é ver se a urina foi coletada por sonda, pois isso costuma justificar a hematúria. Aqui, a presença de hematúria tem que nos levar a pensar em glomerulonefrites e pós-renal (litíase, tumores de vias urinárias, etc). Lembrar de avaliar dismorfismo eritrocitário e cilindros, que sugerem glomerulopatias.
* Dica: Hematúria glomerular em geral será: Hematúria associada a proteinúria, hematúria com dismorfismo ou hematúria com cilindros
– Leucócitos: Leucocitúria sugere ITU, infecções abdominais (diverticulite, causas ginecológicas, etc) ou mesmo NIA (bem mais raro).
Manejo
– NÃO FAZER VOLUME SEM SE PERGUNTAR: “Meu paciente precisa de volume?”
– IRA NÃO É SINÔNIMO DE DESIDRATAÇÃO. IRA SÓ MELHORA COM VOLUME SE FOR PRÉ-RENAL!
– Metade dos pacientes não vai ser pré-renal
– Quando administrar volume então? Pacientes hipovolêmicos ou mesmo considerar em pacientes sem uma causa definida e que não apresentem sinais de hipervolemia (nunca fazer volume em pacientes congestos)
– Suspender nefrotóxicos
– Manter euvolemia
Suporte
– Lembrar das complicações de IRA: Potássio, acidose, hipervolemia e uremia!
– Pacientes com IRA grave, monitorar de perto os exames (eventualmente até mais de uma vez por dia)
– Potássio: Primeira preocupação sempre! Discutimos isso em outras sessões da plataforma!
– Hipervolemia: O paciente com IRA pode ser oligúrico ou ter diurese adequada. O paciente oligúrico evolui pior! Estes pacientes devem receber furosemida
– Acidose: Identificar a causa da acidose (é pela IRA? Acidose láctica por sepse? Cetoacidose? Etc). Em geral não precisa tratar a acidose! A indicação clássica de tratamento é quando o pH está < 7,2. Se o paciente tolera volume, pode-se fazer solução bicarbonatada (150ml de bicarbonato de sódio 8,4% + 850 ml de soro fisiológico 0,9%, administrar conforme a necessidade do seu paciente, evitar administrar rapidamente por causa do volume). Se o paciente há dúvida se o paciente tolera volume, pode-se fazer bicarbonato de sódio mais concentrado (8,4%, 1-2ml/kg). Sempre monitorizar pH, bicarbonatada e sódio.
Se risco do paciente não tolerar volume, fazer bicarbonato de sódio concentrado (8,4%, 1-2ml/kg). Sempre monitorizar pH, cálcio, PaCO2, Bic, K e sódio.
– Tem como prever quem vai precisar de diálise? 1mg/kg de furosemida para virgens de diurético ou 1,5mg/kg para quem já usava furosemida em casa. Se o paciente teve pelo menos 200ml de diurese em 2 horas, ele tem responsividade tubular e o teste é sugestivo de que o paciente não evoluirá para urgência dialítica nos próximos dias. Se o paciente estiver hipervolêmico, a furosemida será tratamento. Caso o paciente esteja euvolêmico, pode-se repor o volume perdido pela diurese, com cristaloide. Caso o paciente esteja hipovolêmico, ele precisa de volume, e não de diurético!